Véronique Brumm é diretora do Museu Lalique desde sua abertura, em 2011, mas seu envolvimento com o projeto é mais antigo e remonta a 2004. Especialista na história da região de Vosges du Nord, na Alsácia, França, onde se encontra o museu e onde a tradição vidreira vem desde a Idade Média, ela conta um pouco sobre o museu, a região e a arte de René Lalique. Confira abaixo nessa entrevista exclusiva.
O Museu Lalique é recente e sua localização está fora dos principais centros urbanos. Como a Lalique decidiu criar este museu neste lugar?
O Museu Lalique não foi criado por iniciativa da empresa Lalique, mas sim das autoridades locais em suas várias instâncias. São elas que financiaram sua construção, com o apoio do Estado e da Europa. Embora tenhamos uma parceria próxima com a empresa Lalique, isso não inclui uma contribuição financeira. Temos o apoio do Estado francês.
Ele foi criado em Wingen-sur-Moder, na Alsácia, pois foi neste vilarejo que René Lalique decidiu construir uma fábrica em 1921. Este é hoje o único local de produção de cristal Lalique no mundo.
Este museu foi projetado para destacar um artista excepcional, René Lalique, e as criações de seus sucessores, mas também para homenagear os vidreiros que perpetuam suas técnicas.
Como foi o processo de reunir e escolher as peças da coleção?
O museu tem também a particularidade de não ter surgido de uma coleção. A primeira peça foi adquirida em 2002. Hoje, o museu tem 2.040 obras em suas coleções, das quais 674 são próprias. Nós contamos portanto com empréstimos de outros museus, da empresa Lalique e também de colecionadores privados, o que é muito valioso. Apresentamos cerca de 650 peças em nossas coleções permanentes, mas fazemos um rodízio todos os anos para que nossos visitantes queiram voltar.
Quais peças você considera as mais importantes da coleção e por quê?
Eu poderia citar algumas joias, como a Mulher Libélula de asas abertas, que foi a primeira peça adquirida pelo museu, mas também acho espetacular o broche Mariposas.
Quanto aos frascos de perfume, temos alguns excepcionais, como a frasco Peixes, moldado em cera perdida cujo desenho é todo do lado de dentro.
Também temos a sorte de ter na nossa coleção uma maquete em tamanho natural do vagão de trem Côte d'Azur Pullman Express, cuja marchetaria combina madeira e vidro representando buquês de flores.
Por fim, gostaria de mencionar também o lustre monumental da nossa entrada, criado em Marc Lalique em 1951, que é verdadeiramente excepcional.
A região de Vosges du Nord tem uma longa tradição vidreira. Você é especialista na história da região. Pode nos contar um pouco sobre quando e como teve início essa tradição ?
Os vidreiros instalaram-se na região no final da Idade Média pois sabiam que podiam encontrar aqui as matérias-primas necessárias para o exercício de sua arte: a areia, claro, mas também a madeira que servia de combustível e as samambaias, que eram usadas para se obter potassa, um fundente. Antigamente as vidrarias eram nômades, ou seja, elas se mudavam de acordo com a disponibilidade da madeira. No século XVIII houve a sedentarização e foram fundados alguns estabelecimentos de prestígio, como Meisenthal e Saint-Louis.
Quais foram as principais transformações pelas quais a região passou?
As fábricas de vidro da região tiveram sua época de ouro no século XIX. A fábrica de cristais de Saint-Louis tornou-se conhecida pela presença nas Exposições Universais. Goetzenbruck era uma das cidades líderes mundiais na fabricação de óculos de grau e depois mudou para vidros óticos. Meisenthal teve seu auge no final do século XIX, produzindo as criações de Emile Gallé, antes de Gallé criar uma fábrica própria em Nancy. Foi essa tradição vidreira profundamente enraizada e com técnicas excepcionais que levaram René Lalique a construir sua fábrica em Wingen, no rescaldo da Primeira Guerra Mundial.
Hoje em dia a Saint-Louis ainda brilha, especialmente nos lustres e artigos de mesa. Meisenthal voltou-se para a arte contemporânea e é bem conhecida por suas bolas de Natal. A Lalique continua a criar objetos de decoração, joias e frascos de perfume, mas cada vez mais elementos arquitetônicos.
Como você se interessou pela história das vidrarias e da região de Vosges du Nord?
Eu sou de Wingen-sur-Moder, portanto foi bastante natural meu interesse pela história do vidro, acreditando que a história local é uma boa maneira de acessar a grande História. Depois de uma abordagem histórica, social e técnica nos meus estudos, comecei a me interessar pelos objetos de vidro após um estágio no centro de vidro do Museu de Artes Decorativas de Paris. Depois, já estudando os museus de vidro, fiz minha tese com foco na patrimonialização da indústria de cristal e vidro pela Europa.
Qual é a relação entre o Museu Lalique e os outros membros do grupo Étoiles Terrestres (o Museu St Louis e a vidraria de Meisenthal), a Escola de Nancy e o Museu Baccarat?
O Museu Lalique mantém relações estreitas com as Étoiles Terrestres: descontos para a visita dos locais, ações de comunicação (folhetos e cartazes, portal de internet, ações na imprensa) e mediação comum (kit pedagógico, eventos em comum).
Também estamos em contato regular com o museu da Escola de Nancy e o Baccarat.
Quais inovações técnicas René Lalique trouxe para o mundo do vidro?
A filosofia de René Lalique era tornar a beleza acessível e democratizar o acesso à arte. Ele registrou várias patentes, sobretudo no campo de frascos de perfume, mas também no campo da arquitetura, iluminação...
Como é feita a continuidade do trabalho de René Lalique hoje em dia? Quem é responsável pela criação na Lalique? Como se resolve o equilíbrio entre tradição e novidade?
Hoje a Lalique tem um estúdio criativo dirigido por Marc Larminaux. Ele revisita as principais fontes de inspiração de René Lalique: a mulher, a fauna e a flora.
Dentro da Lalique Art foram estabelecidas colaborações com artistas contemporâneos, como Zaha Hadid, Damien Hirst ou, mais recentemente, Arik Lévy.
Quem são os artistas contemporâneos do vidro que você mais gosta hoje?
Recentemente me apaixonei pelo trabalho de Loretta Yang, mas também gosto muito do trabalho de Bernard Dejonghe. Gosto de Leperlier, Isabelle Monod e Matei Negreanu, para citar mais alguns.
Quais artistas, na sua opinião, podem ser considerados herdeiros artísticos de René Lalique?
É difícil dizer, mas há alguns anos, durante um seminário dedicado a Lalique em Corning, tive o prazer de conhecer Amie McNeel, cujo processo me interessou especialmente e que achei muito adequado, dada a maneira dela de revisitar o trabalho de René Lalique.
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